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    Vigília Eterna

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    Mensagem por FilipeJF Sex Jan 02, 2015 4:12 pm

    Escrevi um pequeno texto baseado numa imagem de um rapaz em cima de um asteroide. 


    A Vigília Eterna

                 O negrume infinito, naquela parte, estava recheado de nuvens gasosas e vermelhas. As pedras seguiam a propriedade gasosa por uma trilha ao redor do planeta, orbitando-o como suas severas guardiãs. O vigilante observava as espaçonaves entrarem e saírem, pois ele as deixava fazê-lo. O vigilante via, com sua forma ondulante e obscura no alto do mais longínquo asteroide, e permitia os visitantes descobrirem os segredos por trás das coisas.
                 Mas o vigilante estava ali como figurante. Sua força era transmitida pelos que com ela nasciam ou sob ela fossem criados. Todos com os quais ele uma vez estabeleceu contato haviam partido, ou estavam muito longe daquele início e daquele fim. O fim, pois a raça não permitiria que seus segredos fossem revelados, ela não permitiria que seu ciclo fosse partido ao meio e esquecido na galáxia. Jamais. Ela simplesmente faria as coisas mais cedo. Não seria mais à noite; tudo começaria ao nascer do sol e terminaria quando o sino da igreja, bem no início da noite, tocasse. Uma mudança de planos, muito rápida mas infalível, pois a raça era a supremacia da galáxia. Ela dominava tudo e controlava tudo: o passado, o presente e o futuro. O tempo era dela e por isso ninguém quebraria a ordem do ciclo.
                 Diante das palavras inspiradoras dos grandes líderes, a frota das naves movidas à Aura ativou seus portais com as coordenadas na órbita do planeta que o infeliz vigilante observava. O vácuo contorceu-se, uma ondulação verde rugiu na escuridão e explodiu em metal com a aparição da maior das naves. Em seguida, muitos outros eventos da mesma natureza ocorreram perto do cinturão de asteroides. As espaçonaves eram cinzas e frias. Suas luzes eram fracas e roxas e impunham medo nos visitantes despreparados. Dentro de uma das naves, na primeira na linha de organização, alguém sinalizou uma ordem de ataque.
                 Metade do planeta ficou verde. De repente, negro. Por dentro via-se estrelas.
    A superfície congelada da água estava dura como ferro. A nevasca cobria-a de flocos, escondia-a da vista dos desatentos e atacava-os em momentos oportunos, ao quebrar e revelar o líquido frio e não intencionalmente assassino.


    CAPÍTULO PRIMEIRO: O SÉTIMO IMORTAL
    Spoiler:
    Apesar de não vê-lo, o caminhante sabia onde estava o gelo. Ele pressentia-o e evitava as piores partes. Seus passos eram sempre certeiros. Ele considerava sua habilidade uma maldição, deveras vezes. Em momentos como aquele, ele agradecia por tê-la. Sua relação com ela era variante e frustrante. Fora ela a responsável por tudo, por seus feitos e sua ida àquele planeta.
    Vorgris, era o nome deste homem. Seu passado era um enigma para todos, mas seus feitos eram sabidos e contados por qualquer um. Por alguns, ele era amado; por outros, temido e odiado; esta era a alternativa cuja prevalecia na maioria dos casos, felizmente. Ele reconhecia que para se dar bem ele devia ser temido, e foi sob este pensamento que ele construiu sua imagem na sociedade: Vorgris, o Demônio sem Rosto; o Homem que não Teme; o Portador da Aura e o Trazedor da Ordem. Mas acima de todos estes títulos, o mais famoso e conhecido pela população universal era o Filho de Niarbar.
    Niarbar vinha de uma explanação religiosa proveniente de uma cultura politeísta que sobrepujava como centro de cultos no universo inteiro. Quem quisesse evitar confrontos de natureza religiosa tornava-se um shaduísta, a crença definitiva que todas as raças aceitavam sem subjeções. Vorgris acreditava que ela fora criada justa e unicamente para manter a paz entre as raças nesse setor e, embora pudesse ser muito bem a realidade, nem mesmo ele era ousado o suficiente para tentar convencer o universo disso.
    O vento roçou seu rosto e empurrou-lhe de leve para trás. Seus ouvidos captaram algum som, porém ainda muito distante para ser entendido com clareza. Permaneceu parado no lugar, pressentindo o pior. Uma luz vermelha há alguns metros de distância piscou e moveu-se até seu peito. Ele ergueu os braços e abriu as mãos. Não tinha certeza se os misteriosos armados as veriam.
    Quando os gritos congelantes do vento cessaram, uma voz rouca e abafada soou sonora pela planície branca e coberta de névoa:
    – Quem vem lá? Chegue mais perto, viajante!
    Vorgris não gritou de volta, mas obedeceu e moveu-se lentamente para a frente.
    A névoa parecia se dissipar aos poucos, mas de forma muito singular para que os soldados pudessem notar.
    – Olá, senhor guarda. Meu nome é Norren. É um prazer conhecê-lo – mentiu. A voz saiu distinta e totalmente diferente de um humano comum.
    Assim como Vorgris, o homem armado trajava um casacão verde com aquecedores internos e um capacete de idênticas propriedades. Havia, entretanto, suas peculiaridades, como placas de defesa que, quando ativadas, emitiam uma proteção de Aura ao redor do corpo. Como podiam ser facilmente destruídas, os soldados normalmente colocavam diversas placas espalhadas pelo traje no caso de um conflito intenso.
    O homem levou a mão direita ao alto e abaixou todos os dedos, com exceção do dedo indicador e o médio.
    – Podem abaixar as armas, homens. Temos um pacífico geryon conosco. Pelo sotaque, ele é de Ril. Um geryon das nossas colônias humanas, estou certo? Muito bem, Norren, é igualmente um prazer conhecê-lo. O que faz nestas terras tão distantes, se é que posso saber?
    – Eu sou de Ril, generoso senhor. Meus deveres nestas terras se dão com o tão sábio e humilde Aranwemal, o Sétimo Imortal. Tenho assuntos a tratar com ele, e só com ele, com todo o respeito. Estou à procura dos domínios celestes que ele ocupa por aqui, que acredito estar logo acima de nós.
    O soldado riu, jogou a alça da arma entre o pescoço e o braço e ajeitou-a com a mão. Deu uma batidinha de leve no ombro do mentiroso Norren.
    – Chega de formalidades, meu amigo! Eu já estive em muitas partes de Ril e nunca vi um geryon falar como você. Continue assim e eu não lhe levo lá em cima por estranhá-lo demais! – ele gargalhou novamente e dois soldados apareceram atrás dele, com as armas em mãos. As luzes da mira iluminaram a neve ao redor dos pés de Vorgris.
    – Comandante Suda, ele está armado – disse um dos soldados, levando o círculo azul ao cinto do visitante. Uma faca não muito maior que uma faca de cozinha jazia embainhada num estojo de couro. O comandante resmungou alguma coisa, mas a ventania não permitiu que saísse claramente.
    – Eu sei, Zaty, eu sei. Mas você espera o quê? Que ele atravesse meus escudos de Aura com uma faca e, depois, toda a minha roupa? Por favor! Desculpe-me, Norren, mas eu vou ter que tomar sua faca se você for falar com o Sábio Aranwemal. A rotina é essa. Por mais que ela canse, tem que ser assim.
    O provável geryon assentiu com a cabeça e desafivelou o cinto, entregando-o diretamente na mão do comandante. Suta pegou-o e o inspecionou. Aquele tipo de artigo não era comumente utilizado por geryons. Na verdade, nunca era usado.
    Mas detalhes eram detalhes.
    – Comprou ele aqui, é? Claro que sim, ali em Yumas na loja do espaçoporto. Eu lembro de muitas coisas, Norren, principalmente de detalhes. Não se assuste. É por isso que eles gostam de mim nas fileiras do exército.
    – É um dom muito especial, senhor – disse Vorgris com a voz modificada. “Ele está completamente certo. Ah, se está”, pensou zombeteiramente. – Quando eu poderei ver Aranwemal?
    – Isso depende dele, não de nós. Eu vou lhe levar lá em cima pois eu gostei de você, então sinta-se lisonjeado.
    – Mas e o elevador? Ouvi falar de um por aqui.
    – Está quebrado, infelizmente. Algum problema interno. Coisas para os técnicos, não pra gente.
    – Ah, sim. Entendi. – Vorgris notou o enfraquecimento da nevasca e notou também uma formação oval e cinzenta alguns passos à frente. Era bem grande, a ponto de caber todos os quatro homens dali. Alguns luzeiros a cercavam na parte superior, circundando-a com a cor amarela e refletindo no gelo.
    – Aquilo seria uma cápsula? – perguntou, apontando para o objeto iluminado.
    – Sim, é a nossa alternativa para o elevador. Eu sei que não é o melhor nem o mais aconchegante, mas é só para chegar ali em cima e voltar. Em casos como este é bem funcional apesar de soar estranho.
    – Imagino que sim, senhor Suda. Será que eu poderia subir agora? Está horrível ficar nesta nevasca sem fim. E, aliás, sem querer desmerecer sua profissão, eu devo confessar que hoje é um péssimo dia para trabalhar.
    Suda cruzou os braços e meneou a cabeça, compreensível.
    – Totalmente certo, Norren. Hoje é um péssimo dia para trabalhar, mas, quando se fica muito tempo nesse emprego, você acaba se alegrando quando dias como este surgem. Muda um pouco da rotina, sabe? Ah… o que eu estou fazendo? Você deve estar entediado ouvindo esses resmungos! Venha, vamos até a cápsula. Zaty, reviste-o antes de subirmos. Isso. Hamra, tome conta de Zaty. Eu vou levar o rapaz ao céu.
    – Entendido, senhor – disse Hamra.
    – Ótimo – Suda aproximou-se da cápsula e fitou o painel de controle na casca durante um instante. Depois, levou seu dedo indicador a um espaço vazio longe dos botões e os luzeiros no topo da nave brilharam num amarelo ainda mais forte, revelando uma torre mais adiante na névoa. Era para onde iria Vorgris caso o elevador estivesse funcional.
    Suda praguejou algo, cruzou os braços e bateu com um dos pés na neve, erguendo uma fumaça branca ao redor do calçado. Após seu momento de impaciência, um estalo metálico ressoou pela vastidão esbranquiçada e, acompanhando o eco, a casca cinzenta abriu-se em uma parte próxima aos luzeiros e onde seria a rampa de acesso. O característico som grave e perdurante da entrada se expandindo desatou, acompanhando a descida nem um pouco apressada da vertente pintada de azul-marinho.
    O comandante fez um sinal para que Norren entrasse e, obediente, o geryon escalou a vertente de acesso à cápsula. Respirou fundo.
    Aquele contratempo não estava em seus planos.
    – É uma cápsula bem larga, senhor Suda – declarou, tentando desviar o assunto daquele cujo temia tanto. Ali dentro não nevava e para compensar a cápsula continha aquecedores. O local poderia ficar quentíssimo em segundos. No entanto, fosse frio ou quente, capacetes não eram necessários ali dentro.
    – Certamente, Norren. Se coubesse a mim a decisão sobre o que fazer ao elevador, nós arrancaríamos aquilo fora e manteríamos essa nave. Ela é simplesmente perfeita – ele repetiu o processo do dedo indicador e, contrário ao evento anterior, dessa vez a nave recolheu a rampa de acesso e fechou com as partes metálicas o espaço vazio.
    Suda dirigiu-se a uma das seis poltronas disponíveis e ligou o painel, trazendo à tona uma tela digital que com um simples toque do dedo lhe permitia uma visualização do exterior pelo vidro no topo da nave. Vorgris, sem aguardar um aviso do piloto, sentou-se em uma das poltronas.
    Tocando ali e ali, desativando e ativando comandos, os motores da nave foram acionados e suas turbinas impulsionaram-na para cima num pulo. Tudo foi muito rápido e ninguém sentiu nada, nem mesmo um puxão.
    Suda girou a poltrona para trás e cruzou as mãos sobre a barriga.
    – Um clima totalmente diferente, olha só pra isso! Vou dar uma enrolada na hora de descer só para aproveitar um pouco mais. Afinal você deve estar com pressa, não é, Norren?
    – Quanto mais rápido e cedo eu chegar, melhor. Preciso suprir minhas necessidades e comer alguma coisa. Além do mais, eu quase me perdi na nevasca…
    – Nessa época do ano temos um índice altíssimo de desaparecimentos no gelo. A maioria dos sumidos são caçadores. Esses tolos; acham que conhecem a terra melhor que qualquer um e, num piscar de olhos, boom! Desaparecem na neve. É um pouco irônico, não?
    – Sim, sim… bastante irônico… – ele tamborilava os dedos da mão esquerda no joelho. Por dentro do traje, sentiu uma gota fria de suor percorrer sua testa.
    As mãos de Suda cercaram seu capacete. Ele pressionou os dedos na parte traseira e um estalido plástico e curto se deu. O capacete se desgrudou da cabeça naturalmente e o homem o puxou para cima. Sorriu, mostrando os dentes brancos.
    – Bem melhor – disse ele. Os cabelos eram loiros e chegavam aos ombros. Os olhos eram castanhos muito escuros, sinistramente interessantes no rosto jovial porém amedrontador do comandante.
    Ele pareceu querer falar alguma coisa, mas não o fez. Evitando o silêncio, Vorgris perguntou:
    – Quanto tempo até chegar lá em cima?
    – Não coloquei na velocidade máxima hoje. Eu superaqueci o propulsor de Aura antes-de-ontem, quando eu fui atacado por uma dor de barriga terrível. Entrei na nave só pensando no banheiro e na pressa eu fiz algumas besteiras no painel de comando. Acredito que em menos de cinco minutos estaremos lá. Normalmente são uns dez segundos, é realmente um pulo daqui até lá.
    “Cinco minutos. Certo, certo. Eu consigo enrolá-lo por este tempo”.
    – É… Você sabe se Aranwemal já falou com algum geryon? Ele não tem nenhum tipo de… hum…
    Suda riu, batendo com a mão na coxa, e complementou:
    – … Preconceito? Por favor, Norren! Ele já viveu milhares de vidas ignianas. Se um só ignis é capaz de aprender durante sua vida que o preconceito não é nada mais do que uma bobeira ou motivo de conflitos imbecis, o Sétimo Imortal aprendeu tudo isso e mais. Ele já falou muito sobre isso. Ensinou a nós, o pessoal da torre, que esse tipo de coisa é merda. Então, não, ele não nutre preconceito por ninguém.
    Uma nova gota desceu pelo corpo, agora nas costas.
    – Ótimo, isso é ótimo. Eu já imaginava que a sabedoria dele é grandiosa demais para alguém como eu tentar contestar.
    – Isso seria quase uma heresia – o homem mostrou os dentes. Ele parecia gostar de fazê-lo. – Nem imagino o que os outros wemals fariam com você; o velho é como um deus.
    Talvez faltassem três minutos. Queria que fossem dois.
    – É. Um deus pra eles… isso que é a heresia aqui, não acha? Chamar um homem de deus…
    Os olhos negros e jovialmente disciplinados de Suda brilharam e suas sobrancelhas se contorceram.
    – O que você está sugerindo, Norren? Você não gosta dos wemals?
    Duas gotas geladas desceram pela testa.
    – O quê? Nada contra! Eu me expressei errado, me descul–…
    – Você acabou de me perguntar sobre preconceito, Norren, mas pelo visto você só queria certificar-se de que ele fosse menos preconceituoso que você! Que diabos, eu estava começando a gostar de você… – o comandante soltou-se da poltrona e se ergueu. Neste momento sua figura foi soberana e amedrontadora como nunca antes. Ele cerrou os punhos com tanta força que foi possível escutar o tecido esticando-se. – Seu racista de uma figa! Você vai chegar com sangue até o rabo na sala de Aranwemal. Você vai virar gente hoje, ah, se vai!
    Sem saber exatamente o que fazer naquela situação, Vorgris permaneceu sentado na poltrona e gritou:
    – Acalme-se! Acalme-se, Suda! Olhe pra mim, olhe para o meu rosto! – ele pressionou os botões traseiros e puxou o capacete. O soldado ergueu uma das sobrancelhas, entreabriu a boca e parou no meio da nave. Estava totalmente incrédulo.
    – Norren? Eu achei que você…
    – Meu nome não é Norren, Suda. Meu nome é Vorgris. Mais popularmente conhecido como o Filho de Niarbar aqui em Yumari. Eu vim em paz visitar o grande Sábio Aranwemal para saber do passado… para saber o que eu tenho que fazer…
    Suda encarava o homem de cabelos negros com uma expressão incrivelmente hilária que, não fosse pela situação atual, Vorgris se permitiria rir. Ele estava quase soltando uma gargalhada, mas absteve-se duramente pensando num nó imaginário em sua garganta.
    Cicatrizes feias e enormes cortavam todo o lado esquerdo da face do homem, que tinha olhos de cores distintas: o olho próximo às cicatrizes, branco como a neve; e o outro, verde como a Aura. Além disso, uma barba malfeita e relativamente grande enfeitava seu rosto, tornando-o uma figura ainda mais assombrosa.
    – Sua voz… ah, isso não importa! – vociferou o comandante, cerrando novamente as mãos e desfazendo a expressão hilária do rosto. Agora, assim como Vorgris, ele estava assustador e imponente. – Seu demônio desgraçado, você veio matar o homem mais sábio do universo para ganhar mais um título. Saiba que dessa vez você não conseguirá! – ele tirou a arma das costas, empunhou-a e apontou para o outro humano.
    Vorgris, pela primeira vez, bolara um plano que saíra totalmente fora do desejado. Ele não sabia como improvisar em momentos como este. Suda iria matá-lo se ele não pensasse em algo. Conversar não era mais uma opção desde quando ele errara ao escolher suas palavras. Ele também já tinha retirado o capacete. Absolutamente tudo tinha dado errado… então, ele tentou improvisar.
    Sua perna ergueu-se veloz à sua frente e sua bota negra rasgou o ar, acertando em cheio o joelho do comandante. Diante do atordoamento, ele desprendeu-se da poltrona rapidamente e, quando o homem virou a cabeça em sua direção, Vorgris caiu com uma cotovelada sobre suas costas. Ele afundou com tudo no chão metálico e soltou um gemido de dor, uma falha tentativa de gritar.
    – Desculpe-me, Suda, mas tem de ser assim. Você não me deu ouvidos.
    – Su mmh… – o comandante tentou falar alguma coisa, mas não conseguiu por conta da boca prensada no chão. Vorgris adotou aquilo como uma espécie de xingamento.
    De repente, a nave parou.
    – O que é isso? Chegamos?
    – Hmm…
    – Sinto muito, Suda. Pronto. Agora fale.
    – É claro que chegamos, assassino demoníaco. A porta se abrirá agora… eu programei isso no piloto automático…
    – O quê?!
    O som metálico ressoou no ambiente e a luz do dia invadiu o interior da cápsula, junto com raios de sol que não serviam pra muita coisa. Então veio o som grave e perdurante da rampa de acesso, que descia lentamente na direção da ponte de pouso.
    Antes que Vorgris se distanciasse de Suda, dois homens armados compareceram na distância e olharam para dentro da nave. Os olhos de ambos se arregalaram e ambos apontaram as armas para Vorgris. As luzes vermelhas estavam todas em seu rosto.
    – Ajudem-me! Prendam esse herege, coletor de sangue, ele veio matar o nosso Pai Aranwemal! Matem-no! Matem o Filho de Niarbar! – berrou desesperado o comandante Suda.
    Vorgris sorriu debilmente.
    – Eu estou aqui em paz, companheiros… acreditem em mim… – seus olhos brilharam esperançosos na direção dos soldados.
    É claro que não custava sonhar.
    Aura é a energia que move os mundos, os sistemas, o universo inteiro no presente momento. A origem dela, de acordo com os estudiosos, veio junto com a formação dos cosmos. Nós humanos, bem cedo, a descobrimos durante uma exploração arqueológica em nosso planeta natal, Limiar. Não foi neste primeiro contato que nós abrimos sua porta de infinitas possibilidades, mas foi um início para nossas viagens espaciais e glórias além de nossa galáxia. A Aura funciona como uma só coisa, sem depender de onde ela seja usada; por isso foram feitos os portais de transporte, essas caríssimas estruturas de metal que boiam no espaço transportando naves de sistema a sistema.
    A tecnologia mudou totalmente com a presença da Aura. Ela integrou-se com as formas vivas. Todos temos um pouco dela em nossos corpos, mesmo que em porcentagens minúsculas. Pode soar estranho, mas é a natureza dessa peculiar existência. Alguns chegam a tal nível que são capazes de manipulá-la, e com o treinamento certo passam a criar portais por conta própria e inclusive desconstituir a matéria de uma região inteira. Vocês sabem disso. Vocês sabem e temem essas pessoas assim como temem a própria Aura. Vocês a temem pois nenhum cientista soube provar o porquê de sua existência, porque ela espalha-se como uma gripe e gruda em todos os lugares por onde passa, permitindo tantas e muitas coisas. Isto deu, obviamente, teses a superstições fantasiosas que contradizem os ditos científicos, normalmente vinda dos religiosos desprovidos de estudos básicos.
    A única coisa a se ter certeza é que ela é algo à frente de nosso tempo. Algo que as pessoas não entenderão por muitas gerações.
    - Sábio Reedrisdan de Yumari, da Torre dos Eternos e o Quinto Imortal, Aura, três gerações antes do surgimento do Filho de Niarbar
    – Ai! Não precisa ser assim! – protestou Vorgris contra o soldado que lhe deu uma coronhada nas costelas, empurrando-o para dentro da cela. Ele cambaleou para dentro e chocou-se contra a parede.
    O soldado não disse nada e dirigiu-se a um computador ao lado da porta, fazendo surgir uma tela digital na qual moveu algumas letras e números no ar e fez aparecer diante de Vorgris várias barras vermelhas de laser.
    Vorgris não era tolo a ponto de agarrá-las e pedir perdão. No entanto, ele não tinha perdido suas esperanças; ele fora ali por um motivo e pelo menos isso ele iria conseguir.
    – Ei, onde você está indo? Eu ainda não falei com Aranwemal.
    – Você vai falar, seu verme – disse o guarda secamente. – Mas você não é privilégio e o Sábio se encontra com as visitas na hora que bem desejar. Ele, afinal, tem todo o tempo do mundo… já você pode começar a contar suas horinhas finais – o homem sorriu e saiu do cômodo, gargalhando maleficamente.
    Vorgris pestanejou e resmungou em uma outra língua, deslizando lentamente com as costas na parede até sentar-se no chão frio. Sua mão foi à cintura, procurando a faca embainhada. Por um instante ele desesperou-se, julgando tê-la perdido, mas quase imediatamente recordou-se de tê-la entregado nas mãos de Suda. O comandante havia a deixado lá embaixo, no meio da nevasca, com seus companheiros Zaty e Hamra. Aquela não era uma mera faca para as mãos daqueles homens.
    Os olhos se fecharam, mas ele não dormiu. Paciência. Ele aguardaria a chegada do sábio.
    Mergulhou em seus pensamentos, em sua solidão pessoal que ninguém podia invadir. Concentrou-se numa tarefa em específico, na Aura ao seu redor que era muito presente e forte. Ele sentia-a da mesma forma como sentia a nevasca nas planícies que cercavam os arredores da cidade de Yumas.
    Então, ele sentiu os passos e a aproximação de alguém perante a porta. Durante alguns segundos ninguém pisou na sala, porém Vorgris, dedicado e composto, escutou através da Aura o que diziam as pessoas.
    – … sim, ele é o Demônio sem Rosto. E Suda é um completo tolo, um burro que enlouquece por qualquer coisa e já agarra no braço da sua fé. Este homem veio aqui por algum motivo mais amplo. Caso ele quisesse matar Aranwemal ele teria exterminado os soldados da Guarda Terrestre. Não lhe parece óbvio? – a voz era feminina e determinada, muito graciosa e atraente. Ela também falava com raiva e imperativamente, forma como as moças militares costumavam agir popularmente.
    – Está certa, você está certíssima. Suda precipitou-se demais. Eu vou ir falar com ele, não se preocupe.
    Vorgris entendeu o recado e voltou a si. A cabeça latejava terrivelmente e sua visão estava descorada e torta, provavelmente pela tontura efetivada da relação com a Aura.
    A porta erigiu repentinamente. Um homem trajado de roupa cortês, sem armas ou equipamentos de proteção, atravessou o pórtico e parou categoricamente na presença do Filho de Niarbar. Sua postura ereta denunciava um treinamento árduo em uma carreira militar. Vorgris conhecia este tipo de gente, os mais durões do exército de Yumari. Eram, de fato, temidos em todo o planeta e sistemas próximos.
    Ele curvou-se levemente em uma reverência. Era uma forma comum de cumprimento naquele planeta. Vorgris fez o mesmo, a despeito de uma dificuldade evidente.
    – É bom ver que apresenta um pouco de decência, Norren. Eu não esperava que seu rosto fosse tão… característico. Onde conseguiu essas deformações? Eu não ouvi nada sobre essa história até agora, mesmo já tendo escutado muito a seu respeito.
    – Eu posso lhe contar, mas antes eu preciso falar com Aranwemal. Eu vim aqui somente para isso. Minha briga com Suda foi um pequeno imprevisto, senhor… – ele olhou insinuante para os olhos verde-claros do homem cuja face apresentava algumas rugas.
    – Senhor Petroski. Eu sei que sua briga com Suda foi um imprevisto. Mas por que disfarçar-se de um geryon? Eu me lamento pela estupidez dos soldados, aliás; eles não perceberam que você tinha cinco dedos. Um geryon de cinco dedos, olhe só! Como esses soldados são brilhantes! – disse ironicamente. Ele meneou a cabeça negativamente e contorceu os lábios em um aspecto desaprovador.
    Vorgris sorriu, esbanjando esperteza.
    – Detalhes são detalhes.
    – Indubitavelmente eles são meramente detalhes – ele cruzou os braços. – Mas esse assunto não é o que eu estou procurando, então pare de tentar bancar o espertalhão e me dê a resposta. Esclareça o propósito de sua identidade fictícia.
    Ele não pensou nem duas vezes.
    – Eu não queria revelar meu rosto. Ninguém nunca o viu. Eu queria que permanecesse assim e adoraria sair daqui com meu capacete, feliz e sorridente como se nada anormal tivesse acontecido.
    – Só isso?
    – Só isso, senhor Petroski.
    O homem continuou encarando-o. Depois moveu os lábios, formando uma palavra que não saiu. Ele semicerrou os olhos, tentando encontrar algo mais na expressão vazia e despreocupada de Vorgris.
    – Eu já interroguei milhares de desgraçados e sei identificar quando estão mentindo. Você não parece estar mentido, o que é muito suspeito. Ou você é um mentiroso profissional, algo do qual eu não duvido nem um pouco, ou você é simplesmente honesto e cheio de excremento na cabeça. Como você pode ser tão burro a ponto disso, Filho de Niarbar? Eu sei guardar segredos. Nós, da Torre dos Eternos, lhe deixaríamos entrar e entregaríamos o capacete novamente quando saísse. Sem problemas.
    – Eu sou uma pessoa muito procurada em qualquer sistema de alta vigilância. Eu preciso me prevenir antes de fazer qualquer coisa. E estou me prevenindo ao extremo falando com você, sem contar que não acredito no que está dizendo. Deixe-me pegar meu capacete antes de sair daqui; deixe-me encontrar Aranwemal da forma como eu desejo.
    – Aqui não têm câmeras, pode ficar despreocupado que ninguém vai gravar seu rosto.
    – Eu não quero que ninguém mais o veja, nem mesmo o Sétimo Imortal.
    Petroski ergueu a cabeça, decidido, mostrando que aquela discussão estava a unicamente a seu favor.
    – Eu não me importo. Você vai vê-lo assim. Ele vai olhá-lo nos olhos na hora de conversar, não nos visores verdes e mortos do capacete. Entendeu?
    Vorgris espontaneamente assentiu com a cabeça. Ele não estava irritado nem preocupado, afinal de contas. O que surgiriam ali seriam boatos. E ele amava os boatos de certo modo. Sua vontade de fazer daquele um encontro pacífico e sem histórias sobre sua pessoa, todavia, não foi correspondida. As coisas darem errado não foi algo que ele sequer possibilitou pensar durante o planejamento do evento.
    – Viu só? Não foi tão difícil assim. Vou desativar suas barras e você vem comigo. Aqui, aba de proteção interna… prisão e interrogatórios… barras de laser da cela interrogatória número um, desativar. Pronto. Siga-me.
    Petroski pressionou o botão laranja e a porta se ergueu para dentro da parede. Atravessou o pórtico e fez um sinal para que Vorgris viesse. Quando o Demônio sem Rosto colocou os pés no corredor, dois guardas escondidos ao lado da porta saíram de perto da parede e puseram-se a segui-lo, vigilantes e silenciosos com os olhares.
    – Estou me prevenindo – disse Petroski, sem virar-se ou parar de andar – assim como você costuma fazer.
    Eles foram seguindo o longo corredor durante muito tempo e muito devagar, passando por mais salas interrogatórias e celas de prisão. Ali não existiam prisioneiros, como era de costume no planeta de abastecimento Yumari. Poucas pessoas viviam nele por conta do clima instável e problemático que muitas vezes trazia tempestades que duravam dias ou nevascas mortíferas que prejudicavam os negócios de muitos caçadores e vendedores de especiarias da região. A vida ali era difícil. A maioria dos habitantes só moravam ali em nome do patrimônio familiar que ocupava o lugar há décadas ou até séculos.
    Mas sucediam também casos singulares de pessoas que iam viver em Yumari por causa do conhecimento vasto do Último Imortal, Aranwemal. Portadores de muita Aura buscavam ensinamentos deste homem quando não sabiam a quem recorrer nos sistemas mais conhecidos, fosse por falta de confiança ou coragem. Aranwemal sempre dava um jeito. Em certos casos ele ensinava algumas pessoas, em outros, ele sugeria o exato professor para elas. O segundo fato prevalecia na grande parte das vezes, pois sua disposição a ensinamentos ultimamente estava muito limitada.
    Mas Yumari era, acima de tudo, um planeta de abastecimento; naves cargueiras, piratas, de exércitos ou mercenárias costumavam parar no mundo portuário para se abastecerem e comprarem suprimentos, nestes que consistiam em especial a poção de proteção de Aura, que, como dizia o nome, construía um escudo de Aura ao redor de quem a ingeriu e o prevenia de danos. Era ligeiramente mais eficiente que qualquer placa de defesa e praticamente única daquele planeta, já que era considerada um narcótico proibido na maioria dos sistemas de alta vigilância. Por isso, ao invés de pagar os altíssimos preços no mercado negro, a maioria preferia embarcar em um portal de Aura e viajar ao sistema de Yumanara, em busca do lendário planeta congelado de Yumari.
    Vorgris, Petroski e os dois guardas que os seguiam fizeram várias curvas e se depararam com muitas salas, algumas cheias e outras vazias. Vorgris sentia uma enorme presença de Aura no lugar, e não era à toa; o Sétimo Imortal estava provavelmente com aprendizes a seu dispor.
    Sobre um suspiro aliviado de Vorgris eles finalmente alcançaram a saída do labirinto de corredores, deparando-se com um enorme pátio flutuante ligado à saída do local por uma ponte. Durante a travessia, Vorgris olhou para baixo e viu nuvens cinzas e pesadas. Olhando para cima via-se mais nuvens e também a escuridão penetrante da noite, coberta por um véu de pontinhos brilhantes e dois grandes planetas à vista. “Yuman e Yumonagi”, pensou. O vento soprava forte e úmido, ameaçando trazer uma tempestade assoladora àquela fortaleza celeste.
    Vorgris desviu a atenção contempladora do céu e observou o pátio. No centro havia um cubículo de metal com uma portinha redonda, mas não possuía janelas e nem cores diferentes de um cinza fosco e reluzente. Dois adolescentes riam e discutiam alguma coisa sentados sobre o cerco baixo que rodeava o pátio. Bastaria um empurrãozinho e eles mergulhariam com tudo na direção das nuvens inferiores.
    – Certo, ele está logo ali – declarou Petroski ao cruzar a longa ponte e apontando na direção do cubículo. – Acompanhem-no, guardas, e não saíam daqui até que ele se retire. Espero vê-lo qualquer outro dia, Vorgris. Foi um prazer conhecê-lo pessoalmente. O Filho de Niarbar… quem diria! – ele sorriu para Vorgris e fez uma breve reverência. O destinatário fez o mesmo. Então, o homem girou sobre os calcanhares e retornou pelo mesmo caminho do qual viera.
    Os adolescentes, até então entretidos em uma conversa, observavam o Filho de Niarbar com uma expressão horrorizada enquanto os guardas guiavam-no ao cubículo do Sétimo Imortal. O rosto desfigurado do homem assustava-os. Ele sorriu. Adorava causar este tipo de reação nas pessoas.
    Os guardas pararam na frente da porta e um deles deu três toques rápidos, porém contidos e altos. Passou-se algum tempo e então a porta abriu-se.
    – Senhor Sábio Aranwemal, o Sétimo Imortal e Último dos Eternos, apresento-lhe Vorgris, o Filho de Niarbar. Ele deseja vê-lo.
    O rosto jovial, elegante e subitamente sorridente revelou dentes brancos como a neve. Os olhos da cor de fogo comprimiram-se com o sorriso e ele proferiu, com voz grave e muito antiga:
    – Obrigado, guardas Sam e Ricar. Aprecio o tempo que perderam trazendo-o até aqui. Por favor, senhor Vorgris intitulado Filho de Niarbar, entre em meus domínios de recolhimento para que possamos conversar melhor – ele distanciou-se da porta e os cabelos longos da cor de mel balançaram-se livremente, suaves e hipnotizantes.
    – Obrigado, Sábio Aranwemal. É um prazer conhecê-lo – ele fez uma reverência.
    – O prazer é todo meu, tão comentado Filho de Niarbar – ele imitou o movimento de Vorgris, contudo com muito mais graça e técnica. O Demônio sem Rosto entrou, sem pressa. Aranwemal agradeceu discretamente os guardas uma segunda vez e fechou educadamente a porta. Olhou para Vorgris bem nos olhos e sorriu de novo.
    – Muito bem, sente-se, fique confortável. Eu logo trarei algo para comermos.
    – Muito obrigado.
    – Não há de quê! – exclamou o Sétimo Imortal, contornando a mesinha no centro do cubículo.
    O ambiente era simples, tão simples que seria inacreditável pensar que aquele fosse o lugar de reflexão do Último Imortal se ele não dissesse ou não fosse visto ali.
    A única coisa de destaque na sala era a mesa, que, embora relativamente grande e com espaço para seis pessoas, não era nada demais. Era feita de carvalho, assim como as cadeiras, e não era diferente em nada de uma mesa de jantar de famílias pobres de Yumari.
    Além da mesa, no local onde dirigira-se Aranwemal, havia um compartimento para estoque de alimentos construído sob o chão. Ele era acessível com um alçapão igualmente rústico que se adequava perfeitamente ao resto do ambiente. O Sétimo Imortal abriu-o e tirou uma garrafa de vinho e duas taças. Posicionou-as na mesa e voltou a procurar alguma coisa dentro do compartimento.
    – Quase lá… pronto! – disse ele em um tom vitorioso, segurando um queijo redondo embrulhado em alumínio em uma das mãos e uma faca na outra. – Esta belezinha é antiga, eu só estava esperando o momento certo para abri-lo. É queijo mofado. Você gosta?
    – Gosto.
    – Ótimo. – Ele fechou o alçapão e sentou-se na mesa. Fez sinal para que Vorgris aproximasse e abancasse a seu lado. O homem que estava parado adjunto à porta até o momento caminhou rapidamente até a cadeirinha de madeira e se acomodou.
    O Sétimo Imortal serviu as taças com muita graciosidade e arrastou uma delas pela mesa.
    – É vinho tinto de Limiar, sua terra natal. Pelo que ouço de suas histórias você não passa por lá já faz muitos anos.
    – Na verdade, eu nunca fui à Limiar.
    Aranwemal, bebericando um gole do vinho, franziu a testa. Depositou a taça na mesa.
    – É mesmo? Eu podia jurar que você veio de lá. Suas feições são semelhantes aos inquilinos de lá. Eu também não nasci em Limiar. Eu vim de umas das primeiras colônias humanas no sistema de Gradjim, em um planeta que os ignis nos permitiram povoar devido a nossas perdas na guerra contra os geryons. O nome é Arimar. Você não deve conhecer.
    – Eu conheço. Já estive lá durante um trabalho de escolta. É um lugar muito bonito, cheio de montanhas que chegam às nuvens assim como a Torre dos Eternos.
    – Dentre os milhares de pessoas que visitaram-me este ano, você é o único que foi à Arimar. É um legítimo itinerante de galáxias. Você me parece ser alguém muito interessante, Filho de Niarbar. Posso lhe perguntar alguma coisa referente a um de seus “trabalhos”?
    Vorgris tomou um trago do vinho e engoliu toda a substância do copo de uma só vez. Ele fez que sim com a cabeça e pegou a garrafa.
    – É em relação ao seu tumulto no mercado negro no sistema Liminar, onde fica Limiar e o planeta ignis Zâdhrím. Ouvi dizer que você explodiu a estação espacial de depósito de mercadorias proibidas e matou todos os cinco líderes da organização criminosa que se autodenominava Duumgli, que significa rei na língua dos orikoyas. Tudo isso porque uma mulher inocente morreu durante um dos comboios de transporte de carga indevida deles. Os boatos dizem que você fez isso por livre e espontânea vontade. Fez isso pela justiça e ordem. Isso é verdade?
    Quando Aranwemal parou de falar, Vorgris já tinha desembrulhado o queijo e partia sua terceira fatia. Ele, atento à tarefa, disse sem desviar o olhar da faca:
    – Eu sou tão conhecido e falado pois eu faço o que ninguém tem coragem para fazer, eu tomo a iniciativa nos atos. O exército ignis e humano não estavam nem aí para a destruição dos Duumgli, pois, quando há transporte de cargas proibidas, há dinheiro extra para eles. Embora o governo os mandassem destruir os Duumgli, eles não o faziam definitivamente, além do mais eles perderiam suas tarefas extras. Querendo ou não uma grande parte do exército da Aliança Inter-racial e até hoje corrupta, agindo a par das realizações criminosas e aproveitando-se disso para garantir uma fortuna extra. Mas agora, respondendo à pergunta, eu tomei a iniciativa e matei esses homens por livre e espontânea vontade. A mulher não passa de um drama extra que alguém adicionou à história e a explosão da estação espacial também. Depois de matá-los, eu saí do sistema pois as outras organizações criminosas começaram a me perseguir.
    O Sétimo Imortal observou-o com curiosidade.
    – E aquela sua história na órbita de Zâdhrím na Estação de Policiamento. Roubou uma nave oficial do exército e a jogou no espaço, atirando-se pela cápsula de fuga. Dizem que ela explodiu quando você saiu.
    – Explosões… eles sempre colocam explosões – ele pegou a terceira fatia, mas não a comeu. – Eu saí pela cápsula e a nave seguiu para o portal de Aura, o piloto automático iria jogá-la no planeta despovoado de Orenduque. Ela tinha uma bomba e iria destruir toda a estação. Essa foi mais uma façanha dos Duumgli. – Ele colocou a fatia inteira na boca, mastigando com vontade.
    Aranwemal meneou positivamente a cabeça, impressionado.
    – Essas não são suas histórias mais empolgantes, Vorgris, mas eu já escutei o que queria. Você é o que as pessoas precisam. Ordem. Você tem muita coragem. É simplesmente inacreditável que ainda não tenha morrido…
    – Não é – disse o Filho de Niarbar subitamente sério. – Não é inacreditável. Eu estou aqui por causa disso. Você já sentiu, Aranwemal, e sabe do que estou falando.
    De fato, ele sabia.
    – Eu sei do que você está falando. Em um primeiro momento, achei que fosse os esforços de meus estudantes. Mas logo que fechei a porta vi que era você. Tanta Aura, Vorgris. Eu nunca vi alguém assim. Nunca, em todos os meus dois mil e seis anos de existência.
    Vorgris pegou a faca e girou-a, batendo com a lâmina virada no polegar. Repetiu o movimento algumas vezes e depois largou-a sobre a mesa.
    – Mas eu não consigo controlá-la – disse por fim. – Eu preciso de ajuda, Aranwemal. Eu preciso da sua ajuda.
    Aranwemal respirou fundo.
    – Olhe, Vorgris, eu já estou com dois…
    – Não é me ajudar assim – interrompeu-o o Filho de Niarbar. – Você me apontará a pessoa certa e eu irei achá-la.
    O Sétimo Imortal encarou-o. Por dentro lhe veio uma lembrança muito antiga, quase esquecida. Enterrada nas mais longínquas profundezas de sua mente…
    – Eu lhe contarei a minha história; eu lhe contarei de onde eu vim. Eu lhe contarei, Aranwemal, sobre a vontade da Aura. Pois a Aura não é algo. Ela é alguém.


    Última edição por FilipeJF em Sáb Jan 10, 2015 2:56 pm, editado 1 vez(es)


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    Mensagem por Valentine Sex Jan 02, 2015 4:43 pm

    FilipeJF retornou \o/
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    Mensagem por FilipeJF Sex Jan 02, 2015 4:52 pm

    É amiiiiigo, eu voltei \o/
    Vamos ver se eu fico dessa vez. Eu sempre apareço de vez em quando, mas agora quero passar a visitar diariamente. Eu não faço isso com um fórum faz muito tempo. o/


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    Mensagem por wallace123 Sex Jan 02, 2015 5:59 pm

    Cara, eu já li, portanto não lerei novamente.
    Achei esse trecho sensacional como você bem sabe.

    Achei um lixo. +1 pra incentivar o trabalho de lixeiro.
    kkk brincadeira. <3


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    Mensagem por FilipeJF Sex Jan 02, 2015 6:47 pm

    Ai delícia S2
    Amo vc um pouco


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